Com salários atrasados há dois meses, médicos querem trancar a residência
Em meio à grande pressão sobre o sistema de saúde público e à insuficiência de profissionais para atender os pacientes da Covid-19, o Ministério da Saúde atrasou em dois meses o pagamento das bolsas para residentes do primeiro ano.
A residência é um programa de pós-graduação direcionado a médicos e outros profissionais da saúde, com o objetivo de garantir uma especialização aos integrantes do programa. É assim que se formam urologistas, cirurgiões plásticos, pediatras, entre outras funções.
Os residentes de medicina recebem cerca de R$ 3.300 para trabalhar até 60h semanais. Os que ingressaram no programa de residência dos hospitais federais em 2020, no entanto, ainda não receberam as bolsas, que são pagas pelo Ministério da Saúde.
Procurado pela reportagem, o ministério afirmou que alguns dados foram encaminhados incorretamente pelo próprio residente ou pelas instituições de ensino.
O problema, porém, não aconteceu em poucos hospitais, mas sim em todas as regiões do país. Também há relatos de pessoas que receberam apenas uma bolsa, e não duas.
No fim do mês passado, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão instaurou um procedimento administrativo para acompanhar o pagamento dos salários.
Nas redes sociais, o ministro Nelson Teich disse nesta sexta-feira (8) que tem o compromisso de resolver a questão até o dia 15 de maio. Ele afirmou que 4.199 bolsas estão atrasadas entre os residentes de medicina do primeiro ano, por inconsistência nas informações transmitidas.
A ANMR (Associação Nacional dos Médicos Residentes) estima que 12 mil residentes, incluindo os de outras áreas da saúde como enfermaria e odontologia, estão com os salários atrasados.
Para essas áreas, segundo o Fórum Nacional de Residentes em Saúde, a situação é pior porque o programa exige exclusividade. Dessa forma, os profissionais não podem complementar a renda fora da unidade da residência.
Além das bolsas, o benefício da iniciativa "O Brasil conta comigo", espécie de incentivo de R$ 667 para os residentes médicos em meio à crise do coronavírus, também não foi pago.
Nessa semana, o Ministério da Saúde enviou um ofício aos coordenadores das residências, dizendo que a quantia seria depositada com atraso "devido à necessidade de ajustes operacionais e pela quantidade de ações do governo".
O atraso no pagamento das bolsas, no entanto, não é a única queixa dos residentes médicos. Eles estão insatisfeitos porque, na prática, não têm aprendido conteúdos específicos das especializações nas quais se inscreveram.
Como não há mais cirurgias eletivas, profissionais que desejam se tornar urologistas ou cirurgiões plásticos, por exemplo, não têm a oportunidade de se dedicar a essas funções.
Em outros casos, segundo reclamações feitas à ANMR, residentes têm sido pressionados a atuar diretamente no atendimento a pacientes do novo coronavírus, afastando-se totalmente de suas especialidades.
Os residentes alertam para o fato de que, embora estejam atuando como médicos contratados, ganham apenas R$ 3.300, o que corresponde a até oito vezes menos do que recebe um profissional fora da residência.
Por isso, alguns têm acionado a ANMR perguntando sobre a possibilidade de trancar temporariamente o programa. Dessa forma, eles poderiam voltar à residência quando as condições de estudo e especialização estivessem novamente adequadas e, ao mesmo tempo, receber uma remuneração de acordo com o mercado para atuar no combate à Covid-19.
A reportagem questionou o MEC (Ministério da Educação), responsável pela Comissão Nacional de Residência Médica, sobre a possibilidade do trancamento. O ministério respondeu que, por enquanto, não há uma diretriz nacional e que esse tipo de decisão cabe a cada unidade hospitalar de ensino.
Nas redes sociais, a ANMR manifestou apoio aos residentes que escolherem parar as atividades diante do atraso nas bolsas. "Não há notificação de paralisação nacional, mas orientamos que existe o direito legal", diz à reportagem o médico Euler Sauaia Filho, presidente da associação.
Ele afirma, também, que a ANMR tem recebido muitas denúncias sobre a descaracterização do programa de residência.
"Os residentes estão sendo deslocados de suas atividades para atender Covid nos hospitais, sendo obrigados a exercer uma atividade que não faziam. Por exemplo, uma residente de pediatria que só atendia criança tendo que atender na UTI de adulto", diz.
"Os hospitais não estão contratando médicos. Pegam o residente para atender no lugar do médico, porque o contratado custa oito vezes mais", completa.
O médico ressalta que os residentes querem trabalhar, mas que também precisam da garantia de que, ao final da pandemia, terão o treinamento adequado para suas especializações.
Segundo ele, a maior parte das denúncias são do Rio de Janeiro, São Paulo, Pará e Pernambuco. Os relatos variam: alguns trabalham toda a semana no atendimento ao coronavírus, outros somente uma vez. Em outros casos, chefes mandaram os residentes para casa porque não havia EPI (Equipamento de Proteção Individual).
A reportagem checou algumas das reclamações feitas à ANMR. Residentes de especializações como ginecologia se queixam por estar sendo pressionados a atuar no combate à Covid, enquanto outros relatam que tiveram as férias suspensas. Alguns questionam sobre a possibilidade de trancar o programa: "Eu já estou no meu limite, a ponto de largar a residência".
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