Thiago de Jesus Dias, entregador por aplicativo, veio a morrer na segunda-feira, dia 8 de Julho, após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), enquanto fazia uma entrega. A Rappi foi acionada por uma cliente, porém, não prestou nenhum auxílio, apenas se limitou a dizer que era para ela “dar baixa na viagem para não atrasar as outras entregas”. Segundo os irmãos de Thiago de Jesus, o entregador trabalhava numa média de 12 horas por dia.
Thiago, não é nem mesmo a primeira vitima da precarização do trabalho, precarização esta que se mascara em discursos motivacionais, de independência e empreendedorismo, em Londres um outro brasileiro morreu em Maio deste ano, após ser espancado por assaltantes, quando ele tentava finalizar uma entrega pela Uber. Há ainda outros casos relatados de morte de entregadores durante o trabalho na Argentina e Espanha.
Geralmente, a lógica do trabalho dos entregadores começa bem, com altas demandas e pagamentos acima da média, muito devido ou ao monopólio de alguma empresa na região, ou a ascensão de uma nova empresa que busca angariar fidelidade dos clientes, muito provavelmente através de subsídios na hora do pagamento para o motoboy, fazendo com que a sua disponibilidade como entregador seja sempre frequente.//Do Blitz Conquista
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Imagem: Brasil de Fato
Eu faço entregas pelas empresas Uber e Rappi em Salvador, na rua não é estranho respostas hiperbólicas dadas quando eu questionava algum entregador acerca de seus ganhos no início de cada aplicativo, “Dava para comprar um avião” foi uma das respostas entre várias outras que obtive. No entanto, tal lógica é insustentável em um país onde o desemprego atinge níveis recordes e grande parte desta massa vislumbra a partir destes aplicativos possuir alguma renda.
Tal movimentação em grande número acaba por gerar uma maior disponibilidade a estes aplicativos, em que fica cada vez mais fácil propor a diminuição dos valores do frete pago e por consequência, diminuição do repasse ao entregador. Se por um lado, a livre concorrência entre os entregadores gera uma diminuição de seu pagamento devido ao aumento de trabalhadores disponíveis, a concorrência entre empresas gera exatamente a mesma coisa, uma moeda viciada que evidentemente não esta a favor dos trabalhadores.
Quando nasce uma nova empresa, esta a priori, tende até mesmo gerar entregas com pagamento levemente melhorado em relação a outras empresas que possam já estar bem estabelecidas no mercado. Provavelmente há um subsídio para que haja estímulo a permanência dos entregadores online em seus aplicativos e assim consigam elevar as chances de entrega em múltiplos locais, porém, uma hora esse subsídio acaba e esta formula de pagamento tende a mudar, tal como recentemente mudou com a Rappi, cujo o valor das entregas não mais possuirá um valor base imutável independente da distância da corrida.
A Uber, por exemplo, desde o ano passado extinguiu a taxa de 20 a 25% cobrada dos motoristas, e adotou o modelo variável calculado pelo tempo e a distância de cada viagem, tanto para os motoristas como para os usuários, praticamente eliminando a estimativa prévia feita pelo aplicativo. A mudança no modelo de cobrança da Uber, tem levado os motoristas a criarem formas de burlarem o sistema para conseguir ganhar mais dinheiro, com o cálculo sendo feito por tempo e quilometragem, os motoristas estão optando por fazer um trajeto maior, que leve mais tempo, evitando trabalhar nos feriados, madrugada e aos domingos.
Alguns, torciam para que a chamada economia de compartilhamento removesse personagens como a empresa de terceirização das relações trabalhistas, para que assim o trabalhador tivesse alguma liberdade ao invés de ser mais um no processo de espólio de sua força de trabalho. Na prática, o que se conseguiu foi a criação de grandes multinacionais como a Uber, que eleva a terceirização a outros níveis, nos quais o trabalhador ganhará em relação a sua produção e aumentando entre os trabalhadores a lógica da concorrência.
Gamificação e legalidade
Para que haja também estímulo as corridas, pode se dizer que não há qualquer aplicativo deste que não proponha ao entregador bonificações variadas, para que ele permaneça mais tempo na rua disposto a fazer entregas, sem garantia alguma que haverá uma demanda e essas entregas serão realmente feitas.
Tal procedimento é chamado de “gameficação”, a aplicação de conceitos de jogos virtuais para a lógica de trabalho, em que o estímulo ao trabalho vem através de desafios e suas bonificações. Em outras palavras, coisas simples como “Faça 4 corridas no período de X e Y hora e ganhe 20 reais”.
A gamificação traz com ela uma série de problemas, que vão desde privacidade de dados até questões legais. Não há qualquer garantia que o algoritmo seja minimamente justo para os entregadores, possibilitando que eles consigam atingir a meta proposta, fazendo com que se esteja sempre dependente de uma demanda necessariamente muito alta para que não haja saída ao aplicativo, a não ser lhe direcionar uma corrida. Em miúdos é muito comum ouvir entre os entregadores, que quando faltam apenas uma corrida para ganhar uma bonificação, o aplicativo simplesmente deixa de lhe propor corridas a serem feitas.
E com o caráter closed-source destes aplicativos, as empresas tem total privacidade sobre como eles colocam para funcionar tais algoritmos, ao seu bel prazer, sem que precise justificar ao entregador e nem ao Estado o seu funcionamento. Legalmente falando, todo método de bonificação é necessariamente ILEGAL, segundo a LEI Nº 12.436:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É vedado às empresas e pessoas físicas empregadoras ou tomadoras de serviços prestados por motociclistas estabelecer práticas que estimulem o aumento de velocidade, tais como:
I – oferecer prêmios por cumprimento de metas por números de entregas ou prestação de serviço;
II – prometer dispensa de pagamento ao consumidor, no caso de fornecimento de produto ou prestação de serviço fora do prazo ofertado para a sua entrega ou realização;
III – estabelecer competição entre motociclistas, com o objetivo de elevar o número de entregas ou de prestação de serviço.
Art. 2º Pela infração de qualquer dispositivo desta Lei, ao empregador ou ao tomador de serviço será imposta a multa de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais).
Parágrafo único. A penalidade será sempre aplicada no grau máximo:
I – se ficar apurado o emprego de artifício ou simulação para fraudar a aplicação dos dispositivos desta Lei;
II – nos casos de reincidência.
Essa lei foi feita na época pelo então senador Marcelo Crivella, hoje, prefeito do Rio de Janeiro, visando a diminuição dos riscos da profissão, uma vez que era comum infrações de trânsito variadas e aumento de velocidade, originadas por estes estímulos ao motoboy e a indução de competitividade entre os trabalhadores.
Privacidade
Qualquer dado a respeito de chats com suporte (por exemplo) são vedados o acesso pelo motoboy, eu já tive uma experiência na qual eu queria ter acesso a todos os registros de atividades, conversas com os clientes e suporte, e a Rappi se negou a disponibilizar qualquer arquivo com tal conteúdo, me impedindo além de ter acesso a algo de minha autoria (conversas e etc), me impede também de ter como comprovar qualquer equivoco ou ilegalidade cometida pela empresa ou cliente. Como consequência, se houver algum problema relacionado ao pedido, você pode ter sim sua conta suspensa sem que tenha possibilidade de defesa em relação a qualquer crítica feita por parte do cliente.
Saúde
Não há em qualquer momento da hora da “contratação” algum tipo de verificação acerca da saúde do trabalhador, se você possui moto, a única coisa que você precisa mostrar são seus documentos como RG, CPF e carteira de motorista, já para “bikers”, apenas RG e CPF. Na prática, este método “empregatício” rápido, quando combinado principalmente com os fatores da gamificação do trabalho, pode gerar tragédias como as que matou o ciclista Thiago, citado no início deste texto.
Quando Thiago sofreu o AVC, a temperatura de São Paulo já estava muito baixa, quando as ruas se mostram hostis para o trabalho é comum a diminuição de entregadores nas ruas, o que pode gerar bonificações para um estímulo maior aqueles que decidiram não sair em clima adverso, ou elevar as chances de permanência daqueles que escolheram trabalhar em tais condições.
Independente de qualquer taxa adicional de entrega ser ou não compatível com a periculosidade do trabalho em tais condições, sabe-se que cada individuo possui necessidades diferentes e condições físicas diferentes, segundo o Instituto Nacional de Cardiologia, no frio, a cada 10°C que caem, aumentam as chances de AVC em 7%, principalmente se houver uma queda abaixo dos 14°C, no inverno, ainda segundo o instituto, o número de AVC’s sobem em até 20% se comparado a outras estações do ano. Lembrando que as ruas de São Paulo atualmente, volta e meia ficam com temperaturas abaixo dos 10°C. O que nos leva a pensar que a morte de Thiago, não somente foi fruto do descaso estatal e empresarial, como também previsível.
A ilusão da Liberdade
Um dos pontos levantados em defesa a estas empresas é a liberdade dada ao trabalhador, uma liberdade que está sempre a dispor da lógica de oferta e demanda, logo, não há qualquer liberdade fora dessa lógica. Sendo assim, o entregador necessariamente ficará preso a fatores culturais e socioeconômicos da cidade onde se trabalha. Se sua cidade não possuir cultura de consumir qualquer coisa pelo período da manhã através destes aplicativos, seu trabalho ficará restrito necessariamente aos horários de pico, que geralmente são entre 11 e 15 horas e depois das 19 até as 22. E claro, nos bairros em que existe esta demanda, geralmente bairros onde o poder de consumo é maior, em que o gasto com o frete é recompensador e a localidade é considerada mais segura.
Imagem: Brasil de Fato
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