terça-feira, 7 de maio de 2019

Caso de baiana que levou 68 facadas a mando do ex tem audiência marcada


A Justiça marcou a primeira audiência do caso da fisioterapeuta Isabela Oliveira Conde, 36, que levou 68 facadas numa tentativa de feminicídio e teve que se fingir de morta para sobreviver. A audiência será no dia 27 de junho, às 10h30, no Fórum Criminal de Salvador. A decisão da juíza Gelzi Maria Almeida Souza foi publicada nesta segunda-feira (06) no Diário Oficial do Judiciário. 

"Essa é a audiência em que serão produzidas as principais provas com o objetivo de formar o convencimento da juíza para remeter o caso ao júri popular. Na ocasião, serão ouvidos a vítima, as testemunhas e os réus, com a participação do Ministério Público, do assistente de acusação e dos advogados de defesa. Estamos cobrando celeridade da Justiça. Esse é o papel da assistência de acusação. E o judiciário, sensível a causa, designou em prazo hábil a audiência de instrução“, afirmou o advogado Levy Moscovits, que representa a vítima e é especialista em Direito e Processo Penal.

 

O caso ocorreu em 28 de fevereiro deste ano e teve repercussão nacional. Moscovits conta que o ex-namorado da vítima, Fábio Barbosa Vieira e outros dois rapazes, Alex Pereira dos Santos e Adriano Santos de Jesus, foram buscar a fisioterapeuta no trabalho. Dentro do veículo, os dois amigos que estavam no banco de trás desferiram as 68 facadas, a pedido do ex-namorado. Os três suspeitos do crime estão presos. 

“Em toda minha vida profissional não me recordo de um caso com tantos requintes de crueldade. Precisamos buscar uma justa punição aos agressores”, ressaltou o advogado.

Após ser abandonada na BR, Isabela ainda tentou pedir ajuda e foi levada para um hospital. O ex-namorado ainda foi até o local como se nada tivesse acontecido e foi preso no local. “Na audiência, ela será ouvida pela juíza e contará, com detalhes, os momentos de horror que viveu. Assim como todos nós a Isabela espera justiça”, acrescenta Moscovits.
 

Leia o depoimenrto de Isabela na íntegra

Conheci Fábio em 2015, no Imbuí. Eu estava num barzinho, com algumas amigas e a gente ficou. Eu não tinha namorado. A gente começou a se falar pelo celular, trocávamos mensagens diariamente. Ele disse que era jornalista e produtor da Banda Vem Quem Vem, uma banda de arrochadeira. Depois, ele deixou a banda e ficou trabalhando de forma autônoma, viajando. 

No início de 2017, ele veio para Salvador. Passamos a nos falar mais vezes e ele me pediu em namoro. Até então, estava insegura, porque tinha acabado de sair de outro relacionamento. Eu sempre fui insegura. Não queria assumir ele nas redes sociais, para as amigas. Pensava: só vou assumir para todo mundo quando realmente eu tivesse certeza que era aquilo que eu queria. 

Um ano de relacionamento depois, ele começou a demonstrar os sinais de ciúmes. Eu nunca podia chamar uma amiga para sairmos juntas, ele queria que fosse sempre só nós dois. Sempre achei ele muito possessivo, de não querer que saísse com ninguém. Não podia vestir um short, uma saia, que ele reclamava, mas eu usava, o que o deixava mais contrariado.

O ciúme dele foi aumentando, me sufocando. Ficava de cara feia quando a gente saía para algum lugar. Então, eu falava que assim não ia dar. Quando batia pé firme, ele mudava. No dia seguinte, a mesma situação. Quando percebia que eu podia terminar, ele revertia e dizia: “você está trabalhando demais”. Sempre procurando me ajudar, sempre prestativo, educado. Fazia algumas vontades minhas, nem parecia que ele era aquele homem de ciúmes extremos, que às vezes me fazia achar que era até radical.

Ele me idealizou como objeto dele. Quando eu dizia que iria terminar ou que ia embora, ele chorava, berrava, não me deixava sair do carro. Ele queria casar comigo a todo o custo. Acho que, friamente falando, ele queria era minha estabilidade, pois tenho meu emprego, meu carro, imóveis alugados. Depois, fiquei sabendo que ele era todo enrolado financeiramente. Ele sempre quis morar comigo, mas eu não quis. Sempre fui independente. Gostava de ficar andando para cima e para baixo com o meu carro. Ele não me amava, senão não faria o que fez. 

Ataque 

Uma semana antes do ataque, ele começou a ficar arredio. Toda vez que aprontava, dizia que não queria mais sair. Fiz um bronzeamento artificial, ele ficou louco. Mandei a foto e ele disse: “Isso é coisa de prostituta”. 


Diante do histórico, comecei a não mais enviar mensagens de “bom dia” para ele. Comecei a me afastar. Ele me chamava para dormir na casa dele, no Alto do Saldanha, em Brotas, e eu dava alguma desculpa. No dia 27 (de fevereiro) fui direto para o hospital. Ele estava acostumado com a rotina de eu sair de casa, pegar ele na casa dele e, de lá, ele me deixava no trabalho e ficava com o carro. Mas esse dia não fui pegar ele. Ele ficou retado. 

No dia seguinte, 28 de fevereiro, ele me pediu o carro emprestado e eu dei. Era quinta-feira de Carnaval e ele disse que ia trabalhar vendendo abadás. Então, marcamos às 19h para ele vir me buscar e irmos, nós dois, para a Barra.

Ele chegou às 19h50. Foi quando eu levei um susto. Dois homens desceram do banco de trás do meu carro, um Chevrolet Spin. Ele disse: “Bela, eles são meus amigos, trabalham comigo no bloco”. Eu entrei [no carro] porque, até então, confiava nele.

Apesar de todos os ciúmes, gostava dele, jamais imaginaria que ele estaria planejando uma coisa tão horrível.


Diante da demora, acabamos desistindo de pular o Carnaval. Ele disse que ficaria com os amigos na casa dele e, de lá, seguiria para a minha casa. 

No trajeto, comecei a desconfiar. Os homens que estavam atrás diziam que eram cordeiros, mas falavam coisas sem sentido, como se o diálogo fosse algo inventado. Na Avenida Bonocô, depois da estação do metrô, Fábio começou a reduzir a velocidade, dizendo que ia pegar um outro amigo. Era por volta das 20h20 quando enviei uma mensagem para uma amiga relatando toda a situação.

Quando fiquei ainda mais desconfiada de que havia alguma coisa errada, eu disse para os três descerem e irem de Uber, porque eu ia para minha casa com o meu carro. Foi quando um dos homens que estava no banco de trás me deu uma chave de pescoço e outro me deu murros. Na minha mente, pensava que eles estavam me assaltando e gritei: ’Fábio, Fábio, estão querendo nos assaltar’’.

Quando consegui virar o rosto, vi que Fábio estava dirigindo tranquilamente. Eu não acreditava naquilo. Comecei a ser esfaqueada. Eram muitos golpes. Enquanto um me imobilizava, o outro aplicava os golpes. E Fábio olhando tudo, dirigindo bem devagar.


Como sou da área de saúde, protegia a minha jugular, porque sabia que um golpe naquela região seria fatal. Ao mesmo tempo, eu perguntava: “Fábio, por que você está fazendo isso comigo?” e pedia: “Não  me deixa morrer, deixa eu cuidar de minha filha”.

Então, eu disse aos homens que me atacavam: “É dinheiro que vocês querem? Eu tenho R$ 50 mil, dou a vocês, vendo meu carro, não digo nada à polícia”. Aí Fábio falava: “Você vai morrer. Ela não tem R$ 50 mil. Adiantem logo com isso e não deixem esse sangue respingar em mim” 


Estava tão determinada a viver, que pedia a Deus para me dar força e sabedoria, pois tinha uma filha. Quando vi que já tinha tentando de tudo, tive a ideia de me fingir de morta.

Sobrevivência

Então, fui diminuindo a respiração, como se estivesse morrendo aos poucos. Prendi a respiração. Num determinado ponto da BR-324, que não lembro qual, eles me arrastaram e me jogaram numa ribanceira, toda lavada de sangue.


Daí, pensei que eles iam me jogar, depois, dentro da vala. Estava com a mente doida, pois sabia que numa vala não sobreviveria. Então, mais uma vez, pedi a Deus e a todos os santos, e eles foram embora.

Me arrastei no matagal como bicho selvagem, o local tinha muitos espinhos. Então disse: “Preciso ficar em pé”. Fiz um Pai Nosso e levantei. Andava cambaleando na pista. Os carros estavam desviando como se eu fosse uma assombração ou como se eu fosse alguma isca de uma emboscada de bandidos. Foi quando me joguei de frente para um caminhão. O motorista parou e disse: “Alguém vai lhe ajudar”. Nesse momento, passei a desacreditar na compaixão humana.

Então, deitei no acostamento, não tinha mais forças. Orei, orei, orei muito. Quando olhei, tinham três pessoas ao meu redor, que me levaram para Hospital do Subúrbio. Essas pessoas disseram que, apesar de estar deitada, eu acenava com uma das mãos. Era por vota das 21h quando me resgataram. Todo o meu sofrimento durou pouco mais de meia hora, mas, pra mim, foi uma eternidade". 

 

 

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